A arquitectura de Souto de Moura surge de uma apropriação natural do seu tempo e da identidade do lugar onde o arquitecto evoluiu, enquanto recém-licenciado em 1980. Num período do século XX em que o movimento Pós-Moderno exerce o seu domínio, e em pleno período pós 25 de Abril, em Portugal, o arquitecto natural da Escola do Porto começa por estagiar com Siza Vieira. Não obstante, não deixa de desenvolver uma estética e personalidade próprias com as suas primeiras obras autónomas, na década de 80, com destaque para várias intervenções de carácter unifamiliar na região do norte de Portugal.
Assim, numa das suas principais assinaturas, o arquitecto evidencia a necessidade de expressar a sua identidade, a partir duma evocação da memória do lugar. Como que exercitando a saudade de uma linguagem, de um tempo, de um outrora, no seu caso, extremamente conectado com a noção de espaço e delimitação de propriedade privada, típica da escala e geografia da região nortenha do país. De certa forma, o arquitecto expressa a sua “Portugalidade”, imbuída no contexto arquitectónico internacional da época. A dissolução da ideia Modernista, evidenciada no período Pós-Moderno é destacada em Souto Moura por uma busca de uma alternativa conceptual à forma e à função, com a ideia de lugar e momento histórico. Para fundamentar ainda mais esta ideia, encontramos por exemplo esta citação do próprio Souto de Moura:
1“O sítio é um pressuposto. Não existe o sítio. O sítio é um instrumento <…> e o sítio é aquilo que se quer que ele seja <…> A solução está na cabeça das pessoas <…> o sítio é coisa mental. Portanto, o sítio é tão importante quanto as outras coisas q intervêm no projecto.
O terreno e implantação, da casa 2 de Nevogilde, são resultantes de uma junção de lotes unificados, através da presença da ruína do que seria um edifício de características agrícolas.
Assim, toda a fachada Sul da casa é resultante de uma selecção e composição das pedras presentes no terreno, que dessa forma foram edificar toda a estrutura.
A memória, no tema da ruína, muito explorado pelo arquitecto, é materializada no elemento parietal granítico longitudinal (material típico da região) ao longo do topo norte. Note-se a presença de pedaços inacabados nas fachadas, simulando essa mesma ideia de ruína ou obra inacabada.
De facto, o conceito de muro, é um dos elementos mais caracterizadores da estética evocadora de memória, de Souto de Moura, nos seus primeiros trabalhos.
Ao relembrarmos a Rhiel House de Mies, em que o arquitecto volta a casa para si mesma, potenciando a sensação de intimidade e protecção, no seio da família, Souto Moura exalta essa sensação através da presença do muro. O prolongamento vertical da parede da fachada sul do edificado, na zona dos quartos e WC principal, comunica exactamente essa ideia. Assim, a testa da laje de cobertura é dissimulada sublinhando a presença de um único plano vertical.
A interrupção praticada sobre esse mesmo plano único, por intermédio das grandes superfícies de vidro individuais a cada divisão, é desse modo praticamente integrada. A própria tridimensionalidade do edificado é diluída por detrás dessa superfície bidimensional.
A sobriedade e linearidade de planos, da linguagem estética Miesiana, são de novo simultaneamente dissimuladas e enaltecidas através da ausência de elementos estruturais nas fachadas, nomeadamente com a presença do pilar de sustentação da cobertura, no interior do edificado.
Este aspecto pontual, iminentemente estrutural evade-se da sua própria evidência no exterior da obra, para se integrar e enaltecer no volume interior do edificado, onde está presente a piscina interior. Dessa forma ultrapassa essa sua função estrutural e acaba por qualificar esse mesmo espaço interior.
1. Souto de Moura in Trigueiro, 2000 p.30